V,
Sinto-me uma mãe mais inteira
Depois de três anos voados
Contigo passados
Por entre a alegria e a exaustão que é ser casa, esconderijo e colchão
Sempre contigo pela mão
E tu comigo
Presas pelo umbigo
Até ao infinito
V,
Sinto-me uma mãe mais inteira
Depois de três anos voados
Contigo passados
Por entre a alegria e a exaustão que é ser casa, esconderijo e colchão
Sempre contigo pela mão
E tu comigo
Presas pelo umbigo
Até ao infinito
As vezes pergunto-me se já aconteceu a última vez em que senti a quase faísca de tocar alguém pela primeira vez. De despir alguém sem saber a rotina, de tocar a pele de galinha nuns braços que se vêem nus do que os protegia.
Sou mãe de uma,
sou mãe de todas
Porque imagino a minha,
em cada uma das outras
O choro da minha,
nas lágrimas das outras
A tristeza da minha,
na miséria das outras
E com isso vem o desejo de ser colo universal
de as salvar de tudo o que as magoe
e do que as faça duvidar da magia que o mundo encerra
quando os homens não se põem a lutar
Eu não tenho de olhar para cima quando ouço os aviões
Eu não fico nervosa quando ouço os aviões
Eu não corro quando ouço os aviões
Os aviões passam e eu continuo viva
Hoje será, muito provavelmente, o nosso último dia de praia das férias. Escrevo esta frase melancolicamente enquanto imagino a despedida. Costas viradas para o areal longo, o mar bravo espalhando as suas gotículas de sal e os cabelos revoltos, despenteados da brisa salgada.
Despeço-me também do encanto que foi ver a praia através dos olhos dela. A felicidade das coisas simples: a piscina na maré vazia, as pazadas de areia, as sestas debaixo do chapéu enquanto o vento belisca o pano que o tapa.
9 meses dentro, 9 meses fora, tudo mudou no dia 19.
Há qualquer coisa de mágico neste número que teima em me aparecer. Qualquer coisa ímpar, auto-descritiva. 9.
9 que rima com chove, move, prove, 9 que rima contigo.
Tu que és o fim e o princípio, a mudança irreversível, um ser-se novo que já não se pode não ser. O mergulho mais profundo, o grande teste de paciência.
No colo que te dou encontro redenção.
Expio a culpa que sinto por ser mãe e humana, por não te conseguir abnegadamente amar a todos os momentos. Por cada vez que internamente expludo, farta de te ouvir chorar mais uma vez, cansada de não conseguir terminar uma tarefa do início ao fim, perdida de mim própria pela enésima vez, pego-te ao colo.
Mesmo que contrariada, mesmo que em silêncio, entorpecida, ou em terramoto por dentro. Pego-te ao colo e tento, devagarinho regular-me a mim ao mesmo tempo que te regulo a ti. E assim ficamos juntas em circuito de regulação, no escuro, abraçadas uma à outra, numa dança tribal mamífera até encontrarmos a calma da qual ambas precisamos.