terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Angie

saí da casa. só para ter pessoas. não me apetecia estar sozinha mais um dia. eu adoro a minha solidão mas às vezes já me perturba. também eu preciso de coisas que me entretenham. quando não as tenho repetem-se as mesmas cenas na minha cabeça vezes sem conta. e já não sei se sou forte ou se me convenço que o sou.
saí de casa. hoje não parou de chover todo o dia, mas consegui que o sol espreitasse só para me fazer companhia no caminho. foi o melhor sol, bateu-me na cara e parece que me devolveu uma rota, pelo menos por meia hora não me senti perdida.
saí de casa. voltei a pisar poças enquanto imaginava um inverno sem frio e sem falta.
saí de casa e projectei-me num quarto pequeno e acolhedor, rodeada de gatos para me aquecerem a cama.
saí de casa. pensei que serias a última pessoa que me apetecia ver na rua. esqueci-me que não estou em lisboa. esqueci-me que aqui, não é preciso a presença física para nos encontrarmos com alguém.
saí de casa. só queria ficar a ouvir a minha música para sempre, como uma espécie de mundo à parte, uma bolha que não permite que mais ninguém entre.
saí de casa. realizei que eu é que estou sozinha, que toda a gente tem alguém, ou se não tem está verdadeiramente feliz. o que é que eu construí? meia dúzia de relações de cuja profundidade agora dúvido.
saí de casa. tornei-me mais fria, porque continuo a dizer que não acredito no amor. mas juro que quero acreditar. dia após dia acordo a pensar que sou incapaz de viver sem acreditar no amor. o amor é a religião e todos temos que acreditar em alguma coisa que nos transcenda. não podemos cingir-nos ao nosso ser.
saí de casa, por fim.
cada dia, cada semana, cada mês me afasto lentamente de ti, e de mim, e de todos os que me afastam da demência. acho que já nem por escrito consigo expressar o que penso e pensa no quão grave isto é!
sempre foi assim.
ao sair de casa, lembrei-me que se perco a vontade, se perco a capacidade de escrever o que sinto isolo-me irreversivelmente.

2 comentários:

  1. Fui remetido a este texto pelo google..
    Li e achei belissimo! A forma como te expressas e como sentes. E a consciencia que tens das coisas.
    Não te entregues à solidão. Agarra-te aos verdadeiros. Perdoa aqueles que te magoaram. Sê realmente TU.
    Um beijo e boa sorte para tudo

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  2. Obrigada por me permitir entrar no meu arquivo de 2009 e voltar a ler este texto. Lembro-me exactamente de quando o escrevi e por momentos voltei a sentir tudo aquilo por que estava a passar na altura. Muito obrigada pelo elogio. É sempre bom quando alguém aprecia aquilo que escrevemos. Não acontece muitas vezes por culpa principalmente minha. No meu dia-a-dia é difícil tirar a máscara e enfrentar o mundo com este vulnerabilidade.
    Um abraço :)

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