segunda-feira, 19 de maio de 2008

tudo o que eu te dou

19 de maio de 1998
19 de maio de 2008

faz dez anos. dez anos que partiste e ainda não voltaste para junto de todos nós.
hoje fui à missa. entrar numa igreja parece-me uma hipocrisia, sei que se cá estivesses não quererias que fosse só por ti.
às vezes sinto pena, de não nos teres visto crescer. era tão importante avô! nunca falamos sobre o que eu queria ser no futuro, sabias que eu adorava brincar contigo, aprender os sinais de trânsito e dar longos passeios pela praia da Falésia. Gostava de te ter dado todas as felicidades que um avô merece: gostava que me visses formada, feliz, a dar tudo de mim. gostava que tivesses estado a meu lado quando apaguei as minhas velas dos 18 anos. gostava que me tivesses levado a ver o teu mundo. podias-me ter falado de ti, podias-me ter ajudado em tudo. e não sinto a tua falta só para me seres útil, que estupidez! sinto falta do meu avô Chico que em inúmeras coisas me auxiliou e me fez crescer.
há dias em que tenho a sensação que também vês o mundo através dos meus olhos e que por isso tiveste ao meu lado sempre, e me apoiaste em todas as minhas decisões. é verdade? por favor, diz-me que sim.
e deve ser por isso que não me consigo cansar de me lembrar de ti. não consigo ultrapassar o luto e pôr de parte tudo aquilo que sentia por ti, imaturo mas verdadeiro, infantil mas sentido, era pequenina, e tinha oito anos, que sabia eu?
lembro-me de ouvir a mãe responder que o avô apenas tinha ido embora, que não voltava mais. eu sabia bem que era verdade, mas era verdade porque tinhas ido para "outro mundo". ninguém conseguiria alguma vez falar contigo. o padre disse hoje que há coisas que só se resolvem com a oração. não sei se ele tem razão ou não, mas sei que quando realmente me lembro de ti e penso que gostaria imenso que tivesses estado em certos momentos da minha vida parece que sinto uma voz dentro da minha cabeça, a tentar chamar-te, talvez seja a oração.
e por mais voltas que dê a cabeça não arranjo explicação lógica para a falta que me fazes. quando ouço o teu nome, quando dou uso ao teu nome, sinto o meu interior a explodir de saudade mas também de orgulho, porque eu tive um avô chamado Francisco, o meu self-made man que sempre fez o melhor para a sua família e nos protegeu de tudo o que nos magoava.
o pai pensa que não, mas eu lembro-me como se fosse hoje. ele disse que não vi o avô em fase terminal, mas vi. lembro-me perfeitamente da clínica em coimbra, fria e azulada, onde tudo era imaculadamente limpo. lembro-me de te ver branquíssimo, a definhar, mas sem admitires. a brindares-me sempre com o mesmo sorriso mas um bocadinho mais forçado, do género "não te preocupes, sou quase velho e estou um pouco doente", lembro-me da lágrima quase ao canto do olho, a esforçares-te por não me afligires com o teu sofrimento. (já to disse mil vezes que o podíamos ter partilhado). recordo-me vezes sem conta de te querer guardar um croquete maravilhoso da vénus e de te ver alimentado a soro, insípido e não compreender como é que conseguias trocar, o sabor maravilhoso do bolinho de carne por aquela espécie de água. a avó a rezar, a mãe a evitar que eu falasse disso, o pai atarefadíssimo pois previa algo que eu não conseguia conceber.
deixaste-me assim, nenhum homem é de ferro e não conseguias aguentar tanto sofrimento (apesar de eu o querer partilhar).
e marcaste-me, para sempre.
hoje, quando estiver sozinha, vou tentar seguir o conselho do padre, chamar-te-ei através da oração.
mereces tanto, meu avô.

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